Histórico

Rio de quê?

jun
2012
04

escrito por | em Rio | Nenhum comentário

Nada é fácil pra gente.

Eis que antes de sairmos de São Paulo, o frentista me avisa: “seu óleo tá baixo”. E eu pensei “ok, da última vez andei quase 5000 km com óleo baixo e deu tudo certo”. Carro revisado, arrumado, tudo em dia, soou quase como um “boa noite”. Pois bem… viajamos bem demais, apesar do trânsito pra sair de SP (praticamente duas horas e meia antes da Dutra virar estrada pra valer). Passamos pedágios, comemos no caminho – já que o horário tinha ido pro saco mesmo, passamos divisa, encaramos duas tempestades e a Serra das Araras debaixo d’água, que foi uma das grandes aventuras da minha vida de motorista. Eis que chegamos em Seropédica. Pedágio pago, bora acelerar. Segunda, terceira, quarta… o carro não responde, reduz pra terceira, segunda, nada… o carro vai parando.

Estávamos no acostamento, e havia um descampado à direita com uma casinha iluminada. Joguei o carro lá, onde ele escorregou devagar até parar. Uma puta chuva. Enquanto eu estava desesperado tentando fazer o carro funcionar e pensando “cacete, botei as duas num perigo desgraçado por inconsequência MINHA!”, ambas mantinham o bom humor e riam da própria desgraça – e da minha cara, de quem tá fazendo merda até debaixo d’água.

Merda assimilada, e uma torcida desgraçada pra que ninguém aparecesse naquele breu e matasse a gente (no caso, ambas), bora botar a cabeça no lugar e ligar pro seguro. Sim, seu plano cobre guincho e táxi – pro Rio ou pra São Paulo, o valor contempla. Ok né… estamos aqui do lado, vamos pro Rio! Em mais ou menos uma hora o guincho chega. Nesse meio tempo, a chuva pára, e até sair do carro eu saio. Não lembro o teor das piadas, mas era tanta risada dentro do carro que justificava-se a cada instante ter casado com uma e não desgrudar da outra – dois dos melhores contrapontos à minha consciência ranzinza.

Chega o guincho. São quase 3h da manhã. Renato, que é a cara do André Matias (do Tropa de Elite) diz que identificou minha origem pelo sotaque, e chama a gente pra conversar. Não abrem mecânicas no RJ durante o fim de semana, portanto se vocês deixarem o carro no Rio, provavelmente só segunda pra alguém mexer no dito. A gente volta no domingo, como fica? Levem o carro pra SP e fiquem no Rio… deixar o carro com quem por lá? Não tem ninguém, o preço da passagem de volta dos 3 arrebenta o orçamento da viagem. Já estamos aqui na porta, e aí… Rio ou São Paulo?

A maior broxada da vida acontece: de comum acordo, de volta pra São Paulo.

Equivale a chegar na porta da Disney e perceber que você esqueceu a carteira em casa. Então ligo pro seguro e peço pra realocarem o destino do táxi que ainda não havia chegado, do Rio pra São Paulo. Sem problemas. Então durante o guinchamento do táxi, o tal Renato me conta que pra esses tipos de deslocamentos, equivalentes a viagens, eles enviam carros mais confortáveis, às vezes até picapes.

Detalhe importante:

“Demos sorte” do carro não quebrar na Serra das Araras – ser engolido por um caminhão ou um ônibus ali seria facílimo. Da mesma forma, o Renato me diz que não fazem resgates de guincho na Linha Vermelha (onde chegaríamos em aproximadamente meia hora). Paramos num lugar iluminado, plano e de fácil referência. Fomos resgatados, e não invadidos, molestados ou perturbados. A chuva parou. Esses foram alguns argumentos usados para levantar nossa moral. E nos suprir de piadas.

Pouco depois chega o tal táxi. Um Uno. Novo Uno, mas um Uno. Ele vai conversar com o sujeito, que mal-humorado, diz que pensava que íamos pra Botafogo, que ninguém havia dito nada a ele, que estava despreparado e coisa e tal. Mas fica lá… esses caras ganham por quilometragem, e o sujeito não queria perder a teta da madrugada. Carro içado, Renato segue pra SP, enquanto nós nos apertamos no táxi do sujeito. Preciso pegar dinheiro, ele diz, então seguimos pra um posto que era um dormitório de caminhões. Ali, por um BOM tempo ele espera o tal cara que lhe traria a grana pro combustível e pros pedágios. Nego enche o tanque, e em teoria vamos enfim a caminho de casa.

Em teoria.

Viramos cada um pra um lado e dormimos o que podíamos (já passava das 4h). Eis que durante o sono, uma baita freada acorda todo mundo. Continuamos sonados, mas notando que o cara vira e mexe comia faixa, freava da mesma forma, fazia curvas por cima das tartarugas, enfim… resolvi ficar de olho no sujeito, e era notório: ele também estava dormindo. Tossidas estratégicas, uns rosnados que eu fazia quando minha mãe roncava em nosso quarto durante a viagem pro Peru, a intenção era manter o filho da puta acordado. A Mel pediu pra ele desligar o ar condicionado, o que foi atendido com uma cara feia do cão e uns desaforos a mais. Babaca mal-educado do inferno… “Preciso ir no banheiro”, ele diz, enquanto coça o olho, solta o cinto e coisa e tal. “Vou parar em Resende”. RESENDE?

Sim, já passavam das 5h e ele havia feito 60 QUILÔMETROS EM UMA HORA. Nesse ritmo, estaríamos (se vivos) em São Paulo dali a mais ou menos 8 HORAS. No que ele encosta no Graal e sai do carro, a Mel resolve ir ao banheiro também. A Dé vira pra mim e pergunta: “Ele tá dormindo né?”. Eu digo que sim, e pergunto se é filhadaputice demais ligar pra Porto e pedir um substituto. De forma alguma, ela responde, e nisso eu ligo e os caras prontamente se habilitam a mandar outra pessoa no que descrevo o que havia sido o regresso até o momento. Nisso a Mel já voltou, e quando a Dé conta o que estamos fazendo todo mundo faz cara de alívio.

O cara demora pra voltar, e quando volta – rápido que nem uma lesma, traz uma Coca-Cola na mão. Peço pra que ele abra o porta-malas pra que a gente possa pegar nossa bagagem, “porque o senhor não tem a menor condição de dirigir caindo de sono desse jeito”. E ele retruca:

– Sono…?

Quando o cara me respondeu isso, a vontade era de enfiar um guarda-chuva na bunda do sujeito e abrir. Pegamos nossas coisas, ele panguou no posto mais um tempo e foi-se. Demorou um bom tempo pro novo táxi chegar (ele procurava um Corsa guinchado – que naquela altura já estava chegando em SP – daí o atraso). Comunicações refeitas, chegou o tal Giovanni – um mineiro que guiava um Vectra, para nooooooooossalegriiiiiia.

Pegou dinheiro e encheu o tanque ali do lado. Carro enorme, educação das mais polidas que já tive notícia, teve o cuidado de assim que as duas dormiram no banco de trás, ir baixando gradativamente o som até desligar, “pra deixar elas descansarem”. E pisou. “Você não vai me sentir pisando no freio”, e de fato de lá até aqui foi assim. Conversa civilizada, respeitou até minhas pescadas no meio do caminho. Eram 11 e pouco quando chegamos na porta de casa, onde o Renato me esperava para descarregar o carro.

Tem gente que se encontra num boteco pra botar o papo em dia. A gente fez isso indo e voltando do Rio na mesma madrugada, em 3 carros diferentes. Foi “o caminho pra casa” mais longo que já fiz. E mais uma história bizarra que a gente insiste em colecionar… porque não, nada é fácil pra gente, definitivamente.

Em homenagem e consideração às Caróis, à Aninha, à Bruna e à Beta, que da mesma forma que nós acreditaram num Rio ou pouco mais paulista nesse fim de semana, e souberam somente agora da história em detalhes. O próximo relato, espero eu, será de histórias e fotos, e não de tragédias desse tipo.

Santa Alpaca

maio
2012
23

escrito por | em [Viagem] Peru/Bolívia 2011 | 1 comentário

19/set/2011 – dia 6
Cusco/Machu Picchu

Pegamos o ônibus e descemos a montanha. A sensação geral era um misto de êxtase e cansaço – sim, agora ele era sentido. A tensão toda fica pra trás e aquilo tudo que era sonho, expectativa, essas coisas vira realidade. Era fim de tarde e a fome apertava (além do friozinho óbvio).

Porém, esqueçam os detalhes sobre onde e como era o local em que resolvemos jantar – o almoço do dia seguinte seria lá também, com novas e melhores histórias. Fato é que fomos felizes na escolha, e quando já acomodados, tivemos a inteligência aventureira de pedir o que mais se destacava naquele cardápio.

Alpaca. Ao ponto.

Pedimos vinho, Coca-Zero, o que fosse pra acompanhar. Deixo abaixo a imagem, e digo novamente: voltamos no dia seguinte. Qualquer outro comentário que não seja um litro de água na boca e a saudade desse prato não condizem com o que de fato foi experimentar uma iguaria tão gostosa.

O dia estava quase acabando, mas ainda cabia uma última emoção.

escrito por | em [Viagem] Peru/Bolívia 2011 | Nenhum comentário

19/set/2011 – dia 6
Cusco/Machu Picchu

Assim que terminamos o almoço, entramos na cidade histórica.

A frase acima traz a única impressão de normalidade possível em Machu Picchu, porque logo após os primeiros passos já é possível avistar a clássica imagem das duas montanhas ao fundo, e as ruínas logo à frente. Algo que desde pequena toda e qualquer criança sabe o que é, assim como a praia de Copacabana ou a Estátua da Liberdade. Copacabana, quando eu conheci num final de tarde num longínquo 2001, me emocionou profundamente por concretizar aos olhos algo que nenhuma foto, filme ou desenho são capazes de fazer.

Machu Picchu não foi diferente. Pelo contrário.

Da mesma forma que creio eu, seja absolutamente impossível descrever o que se sente no primeiro contato com a cidade. A emoção sim se apodera de você, e naquele momento eu, a Dé, a Mel e minha mãe de uma forma ou de outra fomos afetados diretamente pela grandeza e magnitude daquele lugar. Qualquer pessoa sonha, e realizar um sonho é sempre algo cuja plenitude de sensações e emoções só cabe a quem vive. Eu não seria responsável se tentasse explicar o que sentimos, acho que nem mesmo o que eu senti. Esqueçam os nomes, as explicações históricas, as curiosidades… eu não consigo descrever Machu Picchu dessa maneira.

Consigo sim dizer que a grandeza e a imponência da cidade te deixa com a clara impressão de sua insignificância perante o mundo. Seus níveis e caminhadas são feitas quase que na totalidade subindo ou descendo para algum lugar. Tente (eu sei, não dá, mas tente) imaginar o que significa uma cidade vertical no alto de uma montanha, cujo visual em qualquer um de seus arredores é o cume de uma cadeia montanhosa enorme e absolutamente linda. Lá embaixo, um rio corre minúsculo (nessa perspectiva), mas se faz ouvir. Somos paulistas desacostumados com tanto verde. As paredes de pedra são enormes, impossíveis de serem construídas numa época e altitude tão grandes. Mas estão lá, assim como um sistema de escoamento de água que faz frente a qualquer projeto moderno. Respira-se história de uma forma densa, mas isso não predomina sobre o deslumbre que é estar ali, inserido num cartão postal – ou num sonho real, se preferirem.

Por isso mesmo, vou tentar colocar em palavras alguns dos acontecimentos da tarde, pra identificar nossa viagem com nossas coisas. A começar pelo ímpeto de explorador que dominou todos nós… existem setas e umas indicações de rotas sugeridas pelo caminho em toda a cidade. Todas foram solenemente ignoradas, e fizemos nosso passeio. Os “degraus” das “escadarias” são sim conjuntos de pedras, e os incas eram altos, ou seja… sim, cansa o sobe-e-desce. Mas não se esqueça: você está na pilha por estar ali, e esse cansaço só é sentido na hora que você volta pro hostel, portanto fique tranquilo. Leve água, porque é necessário. E no mais, simplesmente aproveite… foi o que fizemos. Pouco a pouco fomos descobrindo cada um dos locais, as casas, seus caminhos, curvas e becos. Em alguns pontos – muitos deles – é possível observar todo o vale, e parece que cada visão é cada vez mais especial e diferente. Não é exagero.

O dia vinha meio nublado, e a cidade estava com bastante gente. Percorremos uma linha geral, nos aproximando de Huayna Picchu inclusive, que seria a montanha a ser vencida no dia seguinte. Subimos, descemos, demos voltas atrás de voltas e fizemos questão de “nos perder” entrando onde bem entendêssemos. No meio da tarde, uma chuvinha chata começa a cair. Mas esse “chata” acabou dando um tempero a mais na tarde, pois havíamos nos preparado MUITO para aquele momento, e enfim poderíamos testar na prática nossos casacos impermeáveis. Parece coisa de bobo, eu sei, mas tamanha era a felicidade e a plenitude daquele momento que não havia chuvisco que nos atrapalhasse. O passeio ganhou nova cara. Subimos ainda mais, e lá de cima tivemos uma visão geral daquela cidade fantástica. A tarde foi passando e pouco a pouco as pessoas foram embora, até resolvermos fazer o mesmo – a fome já voltava a perambular e em determinado momento a Mel percebeu que ela e o curry não serviam um para o outro. Saímos aos poucos, tirando mais e mais fotos (pois a cidade estava esvaziada e enevoada agora, e essa era uma combinação absolutamente fantástica para qualquer registro). E quando nossa integrante germânica se livrou de todo o curry de sua alma, estávamos plenamente cansados e prontos para descer e jantar. Havia ainda uma manhã e metade de uma tarde naquele lugar, e o dia seguinte prometia ser ainda mais especial. Ainda havia muito a se fazer por ali.

Uma tarde que não seria (e não será) esquecida.

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Segunda-feira eu enfim assisti ao James. Que é uma banda, e não um cara.

Digo “enfim” porque é daquelas bandas que a gente adota sem ajuda externa. Assim como aquele filme que só você viu, a roupa que só você tem, quem gosta do James normalmente tem que explicar que “sim, é uma banda”, “sim, com certeza você conhece alguma(s) música(s) deles” e esse tipo de coisa. E quando anunciam um show desses pelo caminho, acontece uma via de mão dupla: a imensa (e inevitável) vontade de ir, e a total falta de companhia pra uma empreitada dessa natureza – ainda mais na emenda meioca gelada de um feriado. Mas justifica-se o sacrifício pela qualidade dos caras, por uma expectativa enorme quanto ao ótimo som da banda, pelo carisma dos músicos, e aquele “enfim” do início desse parágrafo foi devidamente explicado.

Depois de me perder por duas vezes, cheguei ao Cine Jóia faltando 20 minutos pro show começar. Entrei em seguida e a casa estava bem mais cheia do que no Mark Lanegan duas semanas antes, mas mesmo assim ainda havia conforto suficiente pra você ficar onde quisesse. Numa olhada rápida, notava-se que a média de idade do público era sim a minha, dali pra até um pouco mais. E que havia sim muita gente sozinha por lá também – mas não, longe de ser um índice depressivo, rolava mesmo era uma ansiedade pela entrada dos 7 no palco. Além disso, uns indies sempre meio perdidos nessas situações – padrão para o local, deu pra comprovar – e uma meia dúzia de pessoas pra filmar o show. Vale uma linha pra falar do chato que estava atrás de mim, e que no alto de seus 40 anos, de boné e jaqueta, só sabia gritar “eeeEEEÊÊEEEeee” no meio das músicas após o início do show, em horas que ninguém estava se manifestando. Sim, com muito ou pouco público, sempre alguém destoa – e esse alguém tá sempre perto de mim, porque nada é fácil nessa vida.

Vinte minutos de atraso e os caras sobem ao palco. Após um início equivocado com duas músicas fracas, parecia que a coisa desandaria. Eis que surge “Seven” (uma das meia dúzia de músicas que as pessoas conhecem sem saber), e Tim Booth (o vocalista) já vem pra cima da galera e dá um mosh tímido mas eficiente o suficiente pra levantar a galera. E emenda com “Ring The Bells” e “Laid”. A coisa engrena definitivamente, e eu penso “os caras vão queimar os pouquíssimos hits assim de cara?”…

O que se seguiu foi um show de idas e vindas, intercalando gostos de banda e público. Músicas deles, músicas pra gente. Em “Born Of Frustration”, Booth sai do palco e reaparece em cima do bar, perto da entrada do Jóia. Vai cantar no meio da galera, e a coisa parece aquele show dos teus amigos, em que todo mundo curte, dança e canta sem se preocupar muito com os arredores.

Virou pista de dança o cinemão, e antes da saída dos caras do palco, seria indiscutível a chegada da música mais conhecida deles por aqui. E “Sit Down” foi devidamente berrada e pulada. Um barato. Vieram os bis (dois deles), sendo o segundo uma exigência dos fãs: ninguém demoraria 30 anos pra vir a um país e esqueceria de tocar “Sometimes”, e um a um, os músicos voltaram pro palco durante a música.

Até eu apareço no videozinho…

Ao final do show, a impressão que dava era a mesma: tanto a banda quanto o público estavam plenamente satisfeitos, e de uma certa forma com cara de surpresa. Algo como em cima do placo surgir um balãozinho escrito “Demoramos 30 anos, esses caras não falam nossa língua e eles cantam e conhecem a gente desse jeito?”, enquanto na pista lia-se “Aqui é assim mesmo… acostumem-se e tratem de voltar logo, cambada de magrela”. Foi-se o frio, a ansiedade e todo o resto. Pros poucos que esperavam, de fato o James é aquilo que se imaginava. Às vezes, até melhor. E de fato, é muito difícil entender como esses caras não estouraram.

De verdade

abr
2012
16

escrito por | em Música, Umbigo | 2 comentários

Mark Lanegan @ Cine Jóia

Pegue todo aquele mundo de sensações que você viveu, outras tantas que você vive, um bom punhado de memórias e cicatrizes, junte tudo, jogue pra dentro e reserve por um tempo – uns anos, ou vários. Então vá a um lugar miúdo, aconchegante e obscuro. Aguarde alguns minutos, e ao apagar de luzes, espere os primeiros acordes. Quando a voz de um cara surgir, olhe pra cima, e solte tudo aquilo em direção ao teto – seja cantando, dançando (quando e se for possível) ou simplesmente contemplando. Esqueça do mundo por uma hora e meia mais ou menos, e mergulhe naquela nuvem hipnótica de luzes vermelhas, melodia vezes pesada vezes leve, e a voz que rasga. Aplauda, sempre, e saia absolutamente satisfeito por ter realizado um dos grandes momentos da sua vida, sem a menor sombra de dúvida.

Resumindo, Mark Lanegan foi isso.

16

abr
2012
13

escrito por | em Música, Umbigo | Nenhum comentário

Quando se tem 16 anos, sua vida se assemelha a um oceano: há um horizonte completamente desconhecido, de uma profundidade assustadora, e escolhe-se naquele ou em outros momentos quando mergulhar, quando arriscar e quando contemplar. Nada se sabe sobre o outro lado, e atravessar pode te jogar num universo de curiosidade ou te deixar em estado de pânico. A inércia te deprime, a busca por algo que não se sabe o que é só depende das tuas forças, e o rumo a ser tomado é qualquer um. Só depende de você.

Foi uma época de mudanças absolutamente profundas na minha vida. Uma mudança de colégio, pra longe de tudo o que me era familiar, em condições novas e ruins: não tínhamos dinheiro, passávamos por uma dificuldade enorme em casa para nos manter, e em uma época onde todo adolescente quer e precisa descobrir o mundo, eu fui parar na sala de uma psicóloga, mergulhado numa depressão que até aquele momento era segredo meu e de mais ninguém.

E nessa mesma época eu já mergulhava e nadava de braçada em outros mares, uma vez que meu oceano parecia não me pertencer naquele instante. Das companhias que havia escolhido entre as paredes do meu quarto, os sempre presentes discos, revistas de rock, a ainda viva MTV. E numa tarde qualquer uma voz surgiu ali do nada, e naqueles momentos em que você não sabe bem dizer o porquê das coisas, parei por uns segundos pra ver quem era o cara que cantava aquilo. Um “aquilo” bonito de emocionar.

Passaram-se os mesmos 16 anos. E amanhã eu verei esse cara ao vivo.

A voz rasgada e rouca, a densidade da melodia e das letras, a banda absolutamente competente – mas sempre secundária, fosse qual fosse. Ao contrário de tantos outros artistas, aquele ruivo parecia não precisar de chapéus, cigarros, ternos vintage ou ambientes soturnos pra destilar cada canção, e aquilo de alguma forma me trazia minha própria identidade. A gente não precisa estar no submundo, mergulhado numa eterna noite fria pra que as coisas machuquem. A dúvida, a angústia e o sentimento de algo estar fora do lugar (mesmo que esse algo fosse eu) – tudo se encaixava e estava ali, pingado de quatro em quatro minutos. A gente é testado todos os dias, todo o tempo, e num dia calmo e ensolarado ou madrugada adentro, aquilo me vestia. Com o passar do tempo, a gente esquece dos fatos, e até das sensações. Só sabe que aquilo foi importante pra fazer a gente se tornar o que é agora, e a música tem esse caráter atemporal que te permite por alguns instantes transformar uma memória dispersa em algo novamente significativo.

Foi-se aquele tempo. Minha idade dobrou. Mas o significado daquela época, as lembranças que eu tenho daquilo que vivi, e tanto desses dias que foram e continuam sendo algo que só eu entendo o que significam e o quanto mexem comigo quando vêm à tona. Obviamente a gente cresce, fica menos urgente, passa a priorizar e se importar com coisas cada vez mais relevantes – e menos numerosas. Tira o pé. Já entrou no tal oceano, e viu que pra não afundar é só nadar. Às vezes cansa, às vezes excita – os dias vêm e a vontade em cada um deles é diferente.

Nesse caso, minhas memórias remetem a dias em que estive absolutamente sozinho, por opção ou não. Com a cabeça maturando mudanças que não fazia a menor ideia se seriam boas ou não, nem mesmo se aconteceriam. Mas eu precisava tentar, alguma coisa tinha que ser feita pra não me afogar naquilo tudo. Particular, essencial na época, e hoje parece até meio bobo se o repertório acumulado desde então for levado em conta. Mas foram meus momentos. Eram as minhas músicas, que eu guardava e escondia pra mim, e quando ninguém estivesse olhando, eu cantava do meu jeito, a plenos pulmões, querendo que por dento daquilo que sentia o rasgar fosse o mesmo que eu ouvia naquela voz.

O mundo girou, 5844 vezes exatamente pra ser exato. Explicar essas coisas agora parece algo adolescente, eu sei, mas a gente já foi assim, da mesma forma que já foi criança e um dia será velhinho. Rir do passado não é desmerecê-lo, mas saber que a gente cresceu. Que dificuldades foram superadas. Que somos mais donos hoje em dia do nosso próprio destino, mesmo que esse oceano de fato não tenha fim e continuemos sem saber o que vamos encontrar, e nem quando, como e se vamos chegar a algum lugar. Mas saber que a vida não é uma linha reta, e que qual seja o destino que a gente escolhe, a gente sempre encontra pelo caminho outras pessoas nadando, igualmente sem direção e sem parâmetro. Escolhemos as melhores companhias, e a viagem deixa de ser tão assustadora assim.

E claro, levando junto trilhas sonoras igualmente importantes. No caso, meu rumo até amanhã pelo menos eu já sei qual é. Até mais, Lanegan.

escrito por | em [Viagem] Peru/Bolívia 2011 | 2 comentários

19/set/2011 – dia 6
Cusco/Machu Picchu

Saímos do hostel a toque de caixa, dado que toda ansiedade é pouca quando seu próximo destino é “só” Machu Picchu. Descemos a rua, que equivale à “avenida principal” do vilarejo de Águas Calientes. Lá perto do final, ladeando o riozinho, estão estacionados os microônibus que levam os turistas que optam pela subida motorizada (e não pela trilha inca, um desafio pra um mochilão futuro – quem sabe). Do lado oposto da ruazinha, um guichê minúsculo onde são compradas as passagens – só de ida, ou de ida e volta – para chegar à cidade histórica. A subida não é pequena, mas uma ideia geral sobre esse caminho até lá em cima em fotos, mais pra frente.

Compramos e voltamos pra fila. Os ônibus saem um atrás do outro, portanto quase não há espera. Confortáveis, bonitinhos e ligeiros, pegamos o seguinte e fomos em frente. A subida demora mais ou menos uns 20 ou 25 minutos, se não estiver falando besteira. A montanha é cortada de lado a lado, e a trilha obedece um zigue-zague que vai exibindo aos poucos a maravilha que é o vale e seus relevos.

Vale registrar também a dificuldade do trajeto, onde somente um ônibus sobre ou desce pela pista, e os recuos para que quem fica desvie de quem passe eram feitos nas curvas, com os motoristas exibindo uma perícia assustadora – fosse seguindo em frente, fosse numa marcha ré que beirava à insanidade. Tudo parte de um pacote de emoções inesquecíveis. Era final de manhã, quase começo de tarde, quando chegamos a Machu Picchu.

Antes de realizar o sonho, uma última parada. Sim, a Debs havia conseguido uma promoção em que almoçaríamos no Machu Picchu Sanctuary Lodge (que é um hotel bem do chiquetoso literalmente colado à cidade, e o único lá em cima), com buffet self-service completo e irrestrito, bebidas e sobremesa, por módicos U$ 20.00 por cabeça. Acreditem: não é qualquer besteira uma mamata dessas, e sim, a pequena pensou em tudo pra todos.

Assim sendo, entramos pouco antes que uma horda de orientais povoasse o local. Restaurante bonito, comida BEM gostosa e local (leia-se “curry”, e isso será explicado mais adiante também), e um início de jornada que qualquer celebração seria incapaz de traduzir. Havíamos chegado lá. Era limpar o prato, levantar da cadeira e entrar em Machu Picchu.

E assim, fomos.

Blackbird

abr
2012
02

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Esse negócio de estar por conta é uma dureza que quem não tenta sequer imagina. É a forma mais literal, inconsequente e nua de se, ao custo que for necessário, tentar realizar um sonho. Sim, a gente nasce sozinho, pra crescer e viver pros outros. A essência do ser humano é ser ele mesmo com os aditivis de quem se ama e as lições de quem se perde. Somos nós, que nos criamos e reinventamos a todo momento. E se não os fazemos, devíamos.

Sei bem do quão difíceis têm sido meus caminhos, mas nesse momento não os troco por nada. E da mesma forma, muito me orgulha os que têm a coragem e a vonatde necessária pra mudarem o próprio rumo, e repensarem seus caminhos: seja numa mudança de rumos profissionais, numa viagem desbravadora, numa pisada fora da linha ou numa escapada da zona de conforto. Esses são os meus maiores espelhos… as pessoas que fazem da vida algo por vezes inesperado, nos tirando dessa inércia enlouquecedora que os mundo nos mergulha todos os dias.

Por isso mesmo, quando surge algo novo, de alguém querido, nada me resta a não ser apoiar. Viver junto quando possível. Dividir – comigo mesmo, com essa pessoa, e nesse momento, com aquela meia dúzia que insiste em vir procurar notícias por aqui. Era muito talento pra caber num banquinho e num violão, em rodinhas de amigos. Cabia ali algo mais… uma sequência, uma variedade de ritmos, e sim, a mesma voz de sempre. Parabéns neguinha: que seja o primeiro disco de muitos, com a qualidade que eu já conheço, e que eu espero, o mundo saiba a partir de agora.

Um beijão, e voa alto.

escrito por | em [Viagem] Peru/Bolívia 2011 | 4 comentários

19/set/2011 – dia 6
Cusco/Machu Picchu

Ainda era cedo, mas muito cedo mesmo quando acordamos… coisa de 3 ou 4h da manhã, não me lembro bem. No hostel, o aviso de que banhos de madrugada corriam o risco de não serem quentes – devido ao racionamento que estava acontecendo naquela época, poderiam cortar a energia dos chuveiros. Pra nossa sorte, ainda não era hora de banhos gelados durante a viagem.

Descemos e pedimos um táxi. Colocamos nossas bagagens e seguimos em direção à Estação de Poroy, onde pegaríamos o trem que nos levaria a Águas Calientes – o vilarejo onde está localizada a cidade histórica. Porém, como nada pra gente é fácil…

…pouco antes de chegarmos à Estação, nosso motorista – Ruben – foi parado numa blitz policial que estava a alguns metros de Poroy. Pediram os documentos e rá – ele estava completamente ilegal! Sim, quanta alegria! Mas sabe-se lá como as coisas funcionam por lá, que ele deixou os documentos todos com o policial, e nos levou até nosso destino, anotando inclusive meu nome* para que no dia seguinte, quando chegássemos à noite ele pudesse nos buscar na mesma Estação. Tudo acertado, desembarcamos em Poroy e por lá esperamos até a partida do trem. Um salão amplo, limpinho e lotado de turistas. Essa é a “enorme estação”, e nada além disso. Um baita frio lá fora, nos protegemos com aquela enxurrada de roupas de frio que compramos por aqui e que estávamos loucos pra estrear.

Além disso, vale o adendo: já tínhamos as passagens desde São Paulo. Essas coisas não se compra por lá. Assim como outras, que a Debs providenciou com uma tremenda antecedência. Já tínhamos destinos, horários e locais meses antes, o que permitiu além de um planejamento sem riscos antes da viagem, uma tranquilidade tremenda quando dentro dela. Poucas agências de turismo são tão eficientes quanto a pequena…

Eram 6 ou 7h quando nos chamaram para o embarque. Sentamos em mesas para 4 pessoas: eu e a Debs no lado direito, a Mel e a Paquinha do lado esquerdo. Não conseguimos sentar na mesma mesa, e os casais de ambas não pareciam muito sociáveis, simpáticos ou abertos a trocar as posições, e assim partimos. A Debs teve o cuidado de pesquisar um pacote mais bacana, dada a importância da viagem: estávamos indo pra Machu Picchu, caceta, e sim, aquilo era um sonho realizado que começou na cabeça dela – e eu me lembro do dia que ele me foi dito, lá pelos idos de 2006. Cinco anos até fazer uma vontade virar verdade é coisa que merece respeito e requinte, e ela não se absteve de ambos. Portanto, simbora aproveitar direito.

A viagem dura aproximadamente 4 horas, mas não, isso não equivale à distância. O trajeto é feito calma e lentamente nesse horário, por esse tipo de trem, pois as paisagens entre origem e destino merecem sim contemplação. Nada se perde aos olhos de quem encontra ali pequenos vilarejos, plantações e pequenas criações, casinhas que parecem desenhadas, montanhas nevadas e o rio que acompanha o trajeto e rabisca de lá pra cá todo o caminho. Da mesma forma, o trem parece abraçar os passageiros durante o amanhecer, e o serviço prestado por sua tripulação dá balão em muita companhia aérea. A pequena havia caprichado…

Nos foi servido um café da manhã muito do bonitinho, e enquanto a Debs debulhava as fotos do nosso lado, a Mel fazia o mesmo do lado dela (e desviando da senhora que parecia o David Coverdale que sentava-se à sua frente e fazia a mesma coisa). Levamos trocentos cartões de memória e HD externo pra que justamente os momentos mais esperados – como esse, por exemplo – não fossem economizados. Surtiu efeito, e todo mundo arrebentou em fotos. Até uma leve chuvinha caiu, mas nada que comprometesse a viagem, que foi linda.

Chegando a Águas Calientes, uma menina do hostel em que ficaríamos hospedados nos aguardava, e nos guiou dali até o dito (à pé mesmo, pois era tudo muito próximo e Águas Callientes é de fato um vilarejo – bem do arrumado, mas um vilarejo). Chegando lá, deixamos nossas coisas e saímos em seguida, já com a chave do quarto. Tínhamos um almoço dali a pouco, e não era qualquer almoço. Mas jajá eu conto.

* Essa informação causará uma piada infame daqui a pouco, e cuja qual sofro até hoje – e possivelmente levarei comigo pro resto da vida. Porque meu nome nunca é Marcelo: meu nome é Masili. Mas nem todo mundo assimila essas seis letras tão complexas…

escrito por | em [Viagem] Peru/Bolívia 2011 | 1 comentário

19/set/2011 – dia 5
Cusco/Vale Sagrado

Na saída de Chinchero, um até logo ao nosso amigo Grant, que voltava para a terra do Tio Sam no dia seguinte e se mostrou um cara muito gente boa inclusive depois da viagem, quando nos escreveu por diversas vezes. Até hoje lhe devemos uma resposta de seu último e-mail, a qual pretendo fazer ainda hoje (e publicamente me comprometo a isso).

No microônibus, pouco mais de meia hora até voltar a Cusco. Nesse meio tempo, fomos entretidos por um cara que vendia o DVD de um tour 3D pelas principais atrações turísticas peruanas. Foi engraçado no começo, depois foi ficando chato e no final queríamos espancar o sujeito. Na real, a gente estava era morrendo de fome, e já tínhamos nosso menu na cabeça: o raio da pizza de alpaca, que daquele dia não passava.

Chegamos, e como tínhamos mais do que algumas moedas pra sopa, resolvemos arriscar a sorte e peneirar um restaurante que servisse a iguaria no centro histórico. Sabíamos que existia, mas não tínhamos ideia de onde. Aí aconteceu um momento bizarro da viagem…

Encontramos um lugar todo bonito, elegante, que servia a desgraçada da pizza. As três entraram na frente, e eu em seguida. Porém, assim que fechei a porta de vidro, olhei pra direita e duas mulheres sentadas uma de frente pra outra deram as mãos. Normal… casalzinho de meninas, a gente vê em qualquer lugar. Olhei ao fundo, e… mais duas. Olhei pra esquerda, mais duas. As três estavam sentando quando eu soltei um “vambora, que eu acho que não pertneço ao ambiente”. As três não entenderam nada, até cruzarem a porta e eu explicar o ocorrido. Virei piada na hora. E o restaurante chamava “Brava”. Tudo passou a fazer sentido.

Enfim, achamos outro lugar. Pizza e vinho, além de torradinhas de alho com preço convidativo. Subimos, e fomos entretidos com uma bandinha local (dessa vez sem playback), que com suas encantadoras flautas conseguiu fazer com que minha mãe aumentasse sua discoteca em um CD. Torradas, vinho (esses dois, na faixa) e uma pizza boa pra caceta. Quando chegou a conta, adoramos ainda mais a cidade. Vontade saciada com o devido requinte que o dia pedia, era hora de descansar. Afinal, acordaríamos dali a poucas horas, e o destino era Machu Picchu. Faltava pouco e a noite seria curta.