16

abr
2012
13

escrito por | em Música, Umbigo | Nenhum comentário

Quando se tem 16 anos, sua vida se assemelha a um oceano: há um horizonte completamente desconhecido, de uma profundidade assustadora, e escolhe-se naquele ou em outros momentos quando mergulhar, quando arriscar e quando contemplar. Nada se sabe sobre o outro lado, e atravessar pode te jogar num universo de curiosidade ou te deixar em estado de pânico. A inércia te deprime, a busca por algo que não se sabe o que é só depende das tuas forças, e o rumo a ser tomado é qualquer um. Só depende de você.

Foi uma época de mudanças absolutamente profundas na minha vida. Uma mudança de colégio, pra longe de tudo o que me era familiar, em condições novas e ruins: não tínhamos dinheiro, passávamos por uma dificuldade enorme em casa para nos manter, e em uma época onde todo adolescente quer e precisa descobrir o mundo, eu fui parar na sala de uma psicóloga, mergulhado numa depressão que até aquele momento era segredo meu e de mais ninguém.

E nessa mesma época eu já mergulhava e nadava de braçada em outros mares, uma vez que meu oceano parecia não me pertencer naquele instante. Das companhias que havia escolhido entre as paredes do meu quarto, os sempre presentes discos, revistas de rock, a ainda viva MTV. E numa tarde qualquer uma voz surgiu ali do nada, e naqueles momentos em que você não sabe bem dizer o porquê das coisas, parei por uns segundos pra ver quem era o cara que cantava aquilo. Um “aquilo” bonito de emocionar.

Passaram-se os mesmos 16 anos. E amanhã eu verei esse cara ao vivo.

A voz rasgada e rouca, a densidade da melodia e das letras, a banda absolutamente competente – mas sempre secundária, fosse qual fosse. Ao contrário de tantos outros artistas, aquele ruivo parecia não precisar de chapéus, cigarros, ternos vintage ou ambientes soturnos pra destilar cada canção, e aquilo de alguma forma me trazia minha própria identidade. A gente não precisa estar no submundo, mergulhado numa eterna noite fria pra que as coisas machuquem. A dúvida, a angústia e o sentimento de algo estar fora do lugar (mesmo que esse algo fosse eu) – tudo se encaixava e estava ali, pingado de quatro em quatro minutos. A gente é testado todos os dias, todo o tempo, e num dia calmo e ensolarado ou madrugada adentro, aquilo me vestia. Com o passar do tempo, a gente esquece dos fatos, e até das sensações. Só sabe que aquilo foi importante pra fazer a gente se tornar o que é agora, e a música tem esse caráter atemporal que te permite por alguns instantes transformar uma memória dispersa em algo novamente significativo.

Foi-se aquele tempo. Minha idade dobrou. Mas o significado daquela época, as lembranças que eu tenho daquilo que vivi, e tanto desses dias que foram e continuam sendo algo que só eu entendo o que significam e o quanto mexem comigo quando vêm à tona. Obviamente a gente cresce, fica menos urgente, passa a priorizar e se importar com coisas cada vez mais relevantes – e menos numerosas. Tira o pé. Já entrou no tal oceano, e viu que pra não afundar é só nadar. Às vezes cansa, às vezes excita – os dias vêm e a vontade em cada um deles é diferente.

Nesse caso, minhas memórias remetem a dias em que estive absolutamente sozinho, por opção ou não. Com a cabeça maturando mudanças que não fazia a menor ideia se seriam boas ou não, nem mesmo se aconteceriam. Mas eu precisava tentar, alguma coisa tinha que ser feita pra não me afogar naquilo tudo. Particular, essencial na época, e hoje parece até meio bobo se o repertório acumulado desde então for levado em conta. Mas foram meus momentos. Eram as minhas músicas, que eu guardava e escondia pra mim, e quando ninguém estivesse olhando, eu cantava do meu jeito, a plenos pulmões, querendo que por dento daquilo que sentia o rasgar fosse o mesmo que eu ouvia naquela voz.

O mundo girou, 5844 vezes exatamente pra ser exato. Explicar essas coisas agora parece algo adolescente, eu sei, mas a gente já foi assim, da mesma forma que já foi criança e um dia será velhinho. Rir do passado não é desmerecê-lo, mas saber que a gente cresceu. Que dificuldades foram superadas. Que somos mais donos hoje em dia do nosso próprio destino, mesmo que esse oceano de fato não tenha fim e continuemos sem saber o que vamos encontrar, e nem quando, como e se vamos chegar a algum lugar. Mas saber que a vida não é uma linha reta, e que qual seja o destino que a gente escolhe, a gente sempre encontra pelo caminho outras pessoas nadando, igualmente sem direção e sem parâmetro. Escolhemos as melhores companhias, e a viagem deixa de ser tão assustadora assim.

E claro, levando junto trilhas sonoras igualmente importantes. No caso, meu rumo até amanhã pelo menos eu já sei qual é. Até mais, Lanegan.

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