escrito por | em Vidinha | 2 comentários

Desmontamos nossa cama, e o apartamento dela está a cada dia mais vazio. Não deixa saudade, ela volta aqui pra perto, para que em breve possamos montar o nosso, e nossa vida começar de verdade – vida nossa mesmo, aquela escrita a quatro mãos e que anda muito bem cuidada, crescendo com cuidado e com muita alegria, com pouquíssimos espinhos e sobrando em otimismo. Sem planos que a gente não consiga alcançar agora, justamente porque quem sonha muito acorda cansado e não aproveita o dia.

Um caminhão de sonhos por sinal está deixando minha casa. Sacos e sacos azuis repletos de papel, lápis de cor, tinta, adesivos, desenhos e mais desenhos enviados por gente que já passou, e muito pouca gente que ainda está. Amizades eternas que acabaram, juras de amor que se perderam por aí (normalmente em outros amores, ou em gente mais bacana, interessante, rica ou inteligente, e claro – por muitas vezes pelo ciúme alheio – um mal que eu sofro naturalmente desde sempre), grandes promessas que ficaram de lado, enfim… várias provas de que a gente não sabe nada sobre o funcionamento da vida – nem a nossa, nem a alheia – e que as coisas de fato funcionam dia a dia, e não a longo prazo, ao menos no que se diz respeito ao destino das pessoas.

Algumas muitas coisas mereceram uma última leitura antes da despedida definitiva. Se a gente é o que a gente vive, vale a pena relembrar bons momentos que se acumularam (nesses últimos 28 anos e meio, o meu caso) antes que eles de fato dependam tão somente da integridade da minha memória – que já foi muito mais confiável do que hoje em dia.

Muitas fotos. Inúmeras cartas. Pastas, convites de casamento, cartões de Natal, de aniversário, passagens de ônibus, recibos, folhetos, recortes. Daria pra fazer uma mala fantástica de recordações de tanta coisa que ficou. De tudo, muito carinho, requintes de descaso por vezes, alguns recados implícitos que ganharam a devida conotação ao passar dos anos. Dicas do que estava por vir, reviravoltas inacreditáveis, um bom bocado de saudade de dias que certamente não se resumem a duas folhas de papel e que já se incorporaram à minha História definitivamente. Ficaram as pessoas, algumas poucas, que tiveram coragem de encarar essas quases três décadas de vida por perto – às vezes mais, às vezes menos.

E acho que esse ritual também serve pra que nós mesmos vejamos o quanto somos capazes de mudar no decorrer dos anos, e que tipo de pessoas passaram pela nossa vida: o que colecionamos, quem fomos e o quanto mudamos, o que já fomos capazes de afirmar e que hoje nem em sonho faríamos novamente. E de tantas experiências, notar que de fato TUDO valeu a pena, pro bem ou pro mal, para sermos o que somos hoje em dia.

Da mesma forma como eu fiz questão de guardar esses registros para que num dia futuro eles pudessem ser revisitados e reavaliados, acho que o post que registra a chegada desse dia tem sim sua importância, e será guardado da mesma forma (porém, com uma chance muito menor de causar à minha rinite os males que venho sofrendo nesses últimos dias com essas toneladas de poeira que os compartimentos da minha cama foram capazes de acumular). Quem sabe esse texto não vira o início de uma boa história pra minha futura família daqui a algum tempo?

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