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Dentre todas as lembranças, as únicas que de fato ficam são as boas. Os momentos de tensão, as lágrimas, a dor – tudo isso passa. Morre na explosão, é catapultado no impulso da bomba que estoura. Registra-se os fatos, a memória imortaliza e você se recupera, pouco a pouco, dos estilhaços que ficam presos ao corpo.

A saudade que indica que as decisões certas foram tomadas – essa também se esvai. Muito mais lentamente que a explosão e os estilhaços, essa repuxa e por vezes dispara o coração, em mistos de angústia e de expectativa. Não existem arrependimentos – as decisões sempre tiveram o mesmo fim: a felicidade. Mesmo que seja por algo irreversível, ela sobrevive durante o tempo necessário para que nossa rotina a enterre. Nossos compromissos, pendências, dívidas – tudo isso atropela a saudade, e ela lentamente também é esquecida.

O céu não é azul para quem olha para o chão, que chuta as pedrinhas, que remove a terra. Não há força que recupere o que o coração esquece. Veja bem, as nuvens se foram e o Sol voltou a brilhar. Mas as cortinas ainda estão fechadas. O fogo, a velocidade, as lembranças de algo “que é a minha cara”… tudo está morto. Aquele cara também morreu. No enterro de hoje, as dores, a saudade, a ressaca da dor que não cessa, e o céu continua lá: azul, limpo e enorme.

E o que fica? O céu sempre esteve aqui, mas nosso olhar guia nossos passos. Olhar para cima não era mais um hábito, mas agora faz parte da vida, todos os dias. A sensação de liberdade, a vontade de alcançar as nuvens, o vôo de quem quer se perder em si mesmo – e por que não, perder-se de tudo e de todos. Recomeçando com uma pequena nuvem, de forma moldável ao olhar e ao humor do dia. Aos poucos, conquistar o céu. Voar alto, olhando para baixo e deixando para trás uma coleção de cadáveres.

As lagartas sabiamente se transformam em borboletas. Essas sim sabem o verdadeiro valor das coisas: rastejam lentamente durante uma parte de suas vidas, se retiram e se escondem dentro de si mesmas, transformam-se e quebram a casca que em nada encantava aqueles que a observavam. Ganham cores. Voam livres. Mostram que a vida vai muito além de uma primeira impressão. O seu primeiro contato machuca, às vezes queima. Agora, são inalcançáveis, supremas.

Um adeus ao passado. Pois o futuro chegou. E o céu está azul.

Pancada esporádica

Antes que eu me esqueça: sim, eu preciso escrever em momentos de silêncio absoluto.

O silêncio não é de luto pelas mortes abaixo referidas. É sim para que os pensamentos possam fazer eco, e na repetição das coisas eu perceba o que de fato ainda me chama a atenção. Enquanto isso, as palavras de carinho e os abraços – aqueles iguais aos do fim-de-semana – continuam chegando – e sendo bem-recebidos.

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