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Ele acordou depois de ter vivido o melhor dia de sua vida. E ao lavar o rosto, teve a brilhante idéia de todos os dias viver da mesma forma, fazer as mesmas coisas, falar com as mesmas pessoas e cumprir os mesmos horários.

Pois muito bem. Serviu-se de pão com manteiga (manteiga na parte de baixo, do pão cortado ao meio), de uma xícara de café com leite com duas colheres e meia de açúcar. Lembrou-se que acidentalmente dois farelos de pão caíram sobre a xícara no dia anterior. Não se fez de rogado e raspando a casquinha com a unha, fez com que exatos dois farelos boiassem sobre o café com leite.

Colocou a mesma roupa do dia anterior, os mesmos sapatos e saiu para o trabalho. Seu ônibus atrasou, como de praxe, mas aquilo era lugar comum em seu dia-a-dia, portanto não deu a menos importância ao fato. Assim que sua condução chegou, subiu e notou que o coletivo estava vazio…

– Não vou sentar! Viajei de pé ontem, hoje vai ser a mesma coisa! – afirmou o confuso e obstinado sujeito. E não fazendo-se de rogado, viajou o percurso inteiro agarrado ao poste próximo à catraca. Todos os quatro ocupantes do ônibus observavam o maluco de pé sem entender o porquê daquilo.

Chegou no escritório. Cumprimentou o porteiro, a moça do cafezinho, mas não a secretária. Ela não estava lá naquela hora no dia anterior, portanto deveria ser ignorada. Não existia, não fazia parte do seu dia perfeito. Resgatou os e-mails enviados ontem e reenviou cada um deles. Resolveu cada problema duas vezes. Almoçou novamente feijoada, mesmo sendo quinta-feira. E pediu ao garçom um suco de laranja.

– Mas me traga um de melancia.
– O senhor quer de melancia ou de laranja?
– De laranja, mas me traga o de melancia. Assim eu posso reclamar novamente, do mesmo jeito que fiz ontem. E aí você acerta, ok?
– …

E foi assim durante todo o dia. Todos os problemas foram novamente resolvidos, as notícias revistas e comemoradas (seu time havia goleado o Urutu de Bom Sucesso por 5×1), e com “tantas coisas boas acontecendo novamente” foi satisfeito para casa.

Chegando lá encontrou sua esposa sentada em frente ao sofá. Seu filho, com febre e tossindo, estava deitado no sofá da sala. Assim que entrou em casa, seu sorriso deu lugar quase que instantaneamente a um semblante desolado. Não era pra ser assim, ele não estava doente ontem. Por que todos dias não podem ser como ontem? Por que as coisas pioram?

E assim que concluiu esse pensamento, olhou para os olhos do filho. Assim que o garoto viu o pai em casa, parou de tossir e abriu um enorme sorriso no rosto. Você pode cuidar de mim! – ele disse. E saltou do sofá, jogou longe o cobertor e correu para os braços do homem que viveu o mesmo dia duas vezes até aquele momento.

E esse mesmo homem notou que seria besteira continuar com tudo aquilo. Pois no abraço de seu filho, no sorriso tímido de sua mulher ele percebeu que todo aquele esforço de tentar ser o mesmo de novo de nada adiantaria. Por mais que repetisse tudo, que as coisas se encaixassem e que todo dia fosse igual, dia perfeito MESMO é aquele que você termina assim:

– Feliz.

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