Um bom dia.

dez
2006
20

escrito por | em Vidinha | Nenhum comentário

Talvez de todas as coisas que eu já tenha escrito aqui, a que mais me marcou foi um texto literalmente vomitado logo após uma visita ao Hospital das Clínicas de São Paulo. Visita que marcou, pois foi a primeira vez que fui buscar os medicamentos que meu irmão precisa tomar pra conter a Hepatite C. Mais do que isso, o fato é que andar por aqueles corredores e notar da forma mais explícita e chocante possível o quanto nós, seres humanos, somos absolutamente nada é coisa de balançar a cabeça de qualquer pessoa. Sei que esse texto se perdeu (acho que infelizmente – era um belo texto), mas ficou a sensação daquele dia, e um desejo enorme de nunca mais escrever nada parecido.

Não sei se foi um desejo ou uma promessa, mas resolvi descumprí-la. Mesmo agora, 40 dias depois de ter que conviver dia-a-dia com a rotina de visitas ao centro cirúrgico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Em uma dessas visitas, me prometi que falaria sobre esse assunto abertamente no dia em que meu pai saísse de lá, bem, inteiro e feliz por ter arrancado o maldito tumor que apareceu num exame em maio deste ano. E esse assunto não seria tratado como um drama, pois dramas não possuem bons desfechos. Pois muito bem, esse dia enfim chegou.

Desabafos são necessários.

E a minha opinião de que hospitais são lugares estranhos, por vezes até negativos permanece, mas não da mesma forma que antes. Ter alguém tão próximo de você vivendo nessa dependência de recuperação, distante da família (e que sofrimento é esse, que acontece dos dois lados de uma forma tão intensa que seria impossível descrever) e refletindo a cada instante sobre o porquê de tudo e das coisas. Você muda de atitude, e tenta ver todos os lados bons da coisa. Passar as coisas boas, colocar alguma cor no branco e verde.

Pessoas, famílias inteiras se acumulam nos corredores, buscando notícias, trazendo esperança, e mais do que isso, muita, mas MUITA fé. Cada um no seu credo, à sua maneira, trazendo uma alegria tão boba e simples de companhia e de uma simples conversa, mas que desperta em cada paciente um sorriso absurdo. Você aprende o que significa saudade. Sua vida muda, e todo dia parece incompleto, torto, errado.

Meu pai passou por duas baterias de anestesia muito pesadas. Entrou em internação bem, permaneceu bem em recuperação após a retirada da bexiga, em repouso absoluto. Nenhuma dor, em momento algum. Nenhum medicamento forte. Nada. No final de semana, pouco mais de um mês após as cirurgias, levantou da cama pela primeira vez. Hoje ele está em casa, bem e mais vivo do que nunca – e não se engane pensando nessa última expressão como sendo frase feita, pois alguém que pára de fumar após meio século e tem tanto tempo pra pensar na vida depois de um trauma como esses volta diferente.

Então, eu queria agradecer, nesse texto, a qualquer energia boa que tenha chegado nesses meses, ou antes, ou em qualquer dia dessa vida, e que certamente somou-se às outras enquanto ele se recuperava. Tanto carinho foi sim o melhor medicamento pra ele, e nossa certeza de que tudo terminaria bem. Nos apoiamos na solidariedade das pessoas, na atenção diária, e notamos que a vida não se encerra simplesmente em nós mesmos. Somos sim muito dependentes, o tempo todo.

A vida volta ao normal, aos poucos.
Agora sim, posso desejar um feliz ano novo.

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