Dedos

fev
2012
15

escrito por | em Umbigo | 1 comentário

Não lembro quando escrevi algo pessoal por aqui pela última vez.

Entenda-se por pessoal algo realmente íntimo, da minha cabeça ou do meu corpo, essencialmente de dentro de mim. Não acho que foi por desinteresse, pois mudar é uma necessidade diária das mais reais. A cada dia, um mundo de besteira, de informação vazia, de sentimentos alheios que não me dizem absolutamente nada – mas me munem de leituras e mais leituras sobre o cotidiano de uma enorme parcela de gente que, sem uma timeline no Facebook, possivelmente seria esquecida da minha vida em pouco tempo. Interrompi em algum lugar do passado minha paciência com esse universo vazio, e hoje, mais do que algo por educação, tenho preguiça de me indispor.

Julgar e ser julgado é um esporte. Um vício que te consome de tal maneira que, se você mesmo não for capaz de eliminar do seu cotidiano as pessoas e sensações que te arrebentam, cada dia parece uma batalha – onde depois de lutar pela sobrevivência durante horas e horas da mais completa avalanche de imbecilidade de indivíduos egoístas, egocêntricos, sentimentais, falsos, vazios, interesseiros, hypes ou autosuficientes, olhamos pra trás e sentimos vergonha de termos gasto momentos preciosos de nossa existência levantando bandeiras contra filosofias pessoais de gente que daqui a pouco não lembraremos o nome.

Pense em quantas pessoas você realmente coleciona e (mais importante, acho que posso dizer isso num ímpeto de auto-análise) te colecionam.

Cheguei a um ponto em que certas coisas na vida estão estabelecidas, mas não, não parei de sentir. Simplesmente resolvi valorizar mais e mais meu universo pessoal, e guardá-lo pra mim – e para os poucos em quem realmente confio e que possuem acesso irrestrito à minha vida. Acho que com o passar do tempo, aquela necessidade de afirmação perante uma multidão muda. Ou muda a multidão, no caso. Afinal de contas, muitos e poucos são valores que igualmente variam. Me importo muito com pouca gente. Muito trabalho hoje, na minha realidade, gera pouco dinheiro, mas que me rende muito mais do que antes.

E por essa percepção de grandezas ser algo extremamente pessoal, de que adianta botar a cara pra bater aqui fora? Mostrar algo além? Hoje a única coisa que me parece realmente necessária e digna de propagação é o meu trabalho – afinal, é ele que me vende, e que me sustenta. No mais, é tudo pessoal. Assim como aquilo que escrevo nesses e em tantos outros parágrafos nessa última década. De que vale a expectativa de comentários e mais comentários, quando são poucas as opiniões que realmente mexem comigo? Já pensaram em quanto tempo e saúde a gente perde aguardando um telefonema, uma resposta, uma recíproca de quem nos esqueceu por aí? E o quanto isso machuca quando vem (e se vem) de uma maneira meio quadrada, batendo nas quinas? Você faz ideia de quanto é fácil “saberem” da gente, e por consequência, alimentarem uma imagem daquilo que somos, baseado somente naquilo que mostramos?

Eu já pensei. E não gostei, porque disso, mais do que opiniões, chegam respostas. E o ser humano é criativo nessas horas – pro bem e pro mal.

Estava assistindo ontem a um documentário sobre a vida de Johnny Cash – um daqueles ídolos controversos cuja personalidade me traz uma identificação absurda, por ser um cara que lutava contra demônios pessoais, e mesmo assim conquistava ao invés de fazer deles sua imagem final. Um monstro, no melhor dos sentidos. E em certo momento, alguém disse: “Johnny era aceito – apesar de todos os seus defeitos e deslizes – por ser sincero, por não mentir. As pessoas que são sinceras recebem um grau de tolerância maior das outras pessoas, pois tanto seus erros como seus acertos estão ali, nítidos e explícitos, o tempo todo. É o ser humano em sua essência”. Eu discordo dessa afirmação, porque essa mesma essência ofende aos que não aceitam ou não estão prontos para críticas. Quem não se interessa em analisar a si mesmo pouco se importa pra sua sinceridade. E vejo muita gente esperando que o mundo mude, ao invés de fazer algo a respeito pela própria vida. É pouco, quase nenhum o cuidado com aquilo que se fala e se faz. A tal essência esvaziou-se numa tentativa absurda de querermos nos destacar em meio a essa multidão de anônimos e desconhecidos que passou a povoar e movimentar involuntariamente nossas vidas.

Não sei se em algum momento seremos capazes de olhar pra trás, e enxergarmos a diferença de tempo e energia gastos com coisas que realmente nos importam. Acho que hoje, estando em casa e um pouco imune a certos venenos que fizeram parte da minha vida em determinados contextos, essa valorização da privacidade e da relevância ganharam força. Não sei se por isso, ou realmente por essa preguiça social que aos poucos me domina e me faz pensar cada vez mais em quem realmente me modifica e me toca. O que sei de fato é que dizer não, afastar ou desistir de coisas que realmente não me acrescentam trouxeram uma nova realidade em um momento que é pouco o tempo que tenho pra me derramar em linhas e linhas de um universo só meu. Um exercício que sempre gostei e que continuarei fazendo, porque minha prestação de contas com minha memória permanece intacta. Mas a essência, e aquilo que de fato me motiva todos os dias – essa coisa que varia tanto, e que te faz por dias acordar absurdamente elétrico e louco, em outros derrotado e descrente de tudo e todos – passa a ser território mais que particular. Que por vezes eu talvez abra as janelas, pois respirar é preciso. Mas que dia-a-dia, é coisa minha, e de mais ninguém.

É me respeitando que eu posso enxergar quem faz o mesmo por mim. Os sentimentos não somem. Eles apenas mudam, assim como sua urgência em aflorar. E pra quem eles devem chegar – fracionados ou inteiros. Todo o resto é informação vazia e tempo perdido. E esse tempo, com o passar dos anos, mostra-se cada vez mais precioso. Quero chegar lá frente, olhar pra trás e notar que pra minha vida, eu dediquei momentos a coisas realmente relevantes, e que resumiram minha existência em algo bom pra mim e pros meus. Sejam eles quanto e quem forem. E que valham a pena.

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  1. Melissa Lüdeman

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