Um santo de todos

jan
2012
05

escrito por | em Futebol | Nenhum comentário

Se algum dia fosse possível resgatar minha imagem enquanto criança odiosa ao clube do Parque Antártica, no ápice de sua seca de títulos, seria impossível imaginar que dia desses eu faria alguma homenagem ao Palmeiras – clube ao qual tenho profundo respeito desde a ascenção fulminante (e justa) daquele time aqui do Jardim Leonor, cuja torcida tornou-se tão áspera e prepotente que mereceu pra si um universo que eles mesmos enxergam sua equipe: um lugar isolado, onde somente eles importam e o mundo gira ao seu redor. Deixem-nas lá, então. Eu prefiro a rivalidade, a história e o respeito a adversários históricos. Somos centenários, assim como os alviverdes estão prestes a se tornar, e quando de sua queda à série B, aprendi que um campeonato sem os “rivales” não é um campeonato que mereça muito carinho. Creio que, num momento particular de humildade e pureza, tenham sentido nossa falta quando caímos também. E ambas as torcidas assim o fizeram, tenham certeza, após esgotar a tiração de sarro dos arquirrivais. Afinal de contas, isso aqui é futebol, e legal mesmo é ganhar – principalmente se for em cima deles.

Por isso mesmo me entristece sim a aposentadoria do Marcão. Um goleiro tão brilhante que ofusca nesse momento alguns grandes ídolos da história palmeirense. Oras, os caras já tiveram Velloso, Zetti, Leão e até Oberdan Cattani e Valdir Joaquim de Moraes – dois monstros históricos os quais eu não vi jogar. Uma unanimidade na torcida rival, o tal São Marcos era sim senso comum entre todos os outros apaixonados por futebol. Sua simplicidade caipira lembra em muito os verdadeiros boleiros que fizeram história nesse país. Nada de R10, F9, L12 ou essa putaria americanizada. Marcão sempre foi Marcão, e eu não conheço uma pessoa que não pare e sorria ao ouvir meia dúzia de palavras da boca do sujeito.

Assim como assistí-lo jogando. Sim – eu, corinthiano e sofrido com o rapaz jogando ali do lado oposto, sentia que o chute do Marcelinho não seria tão eficiente quando encontrasse do outro lado um cara com a competência do Marcão. Ele nos enterrou duas Liberators, acabando com os celestiais pés do nosso meia. Xinguei, emputeci, odiei o cara por alguns bons dias. Mas como não admitir que a coisa ali era parelha, a ponto de ambos os talentos se equivalerem? Era o Palmeiras grande, que nos causava temor a cada clássico, e que justificava derrotas ou vitórias com a grandiosidade de confrontos igualmente bíblicos.

Por isso mesmo, estranho foi vê-lo jogando a série B dois anos depois de ser pentacampeão mundial (jogando como titular, fica a dica). O cara tinha amor à camisa. Coisa que a gente, que colecionava álbum de figurinhas e viu uns caras como o próprio Marcelinho, Ronaldo Giovanelli, Wladimir, Biro-Biro e o próprio Dr. Sócrates sente tanta falta hoje em dia. O bicho não saiu do chiqueiro nem quando a lama passou o cercadinho.

Muito respeito. Nunca desmereceu adversário. Nunca justificou um fracasso pontual (como a goleada pro Vitória ou a própria série B) falando das glórias passadas. Marcão jogou o presente. Arrepiou a estrutura política e esportiva dos rivais sendo somente sincero. Jogava uma bola surreal, e arrebentou com muito sonho nosso. Não importa. Engrandeceu o Palmeiras, e a gente também, pois grandes rivais são feitos de grandes histórias. Saiu por cima, em silêncio e ídolo, tenha certeza, de todos nós.

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