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São 7h da manhã. O despertador interrompe o sono e lá vamos nós. Terça-feira, 12 quilômetros até o trabalho, divididos em uma hora para o despertar, e uma para o trânsito. Banho quente, preguiça de sair debaixo do quadrado de vapor, acorda a esposa, que insiste em não sair da cama. Uns 15 minutos de Bom Dia Brasil, o único café decente do dia (já que o do escritório é pra lá de ralo e lavado), e vamos seguir o plano diário.

Três ruas abaixo, o trânsito trava. A esperança é a fuga via bairro, dado que o rodízio me pegou na única vez em que esqueci de sua existência, e repetir erro é coisa que eu não pretendo. A esperança do alento pelo bairro se perde depois de 15 minutos, quando na metade do caminho você percebe que apenas primeira e segunda marchas serão utilizadas dali em diante. Os jornais de 8 páginas que você recolheu nos semáforos servem de passatempo, quando a única coisa que resta é aumentar o som do rádio e relaxar. É nossa rotina inevitável. A cidade, quando trava, trava inteira, e dali em diante é refletir sobre o que está a nosso alcance para manter a sanidade mental e não estragar definitivamente nosso dia. Afinal de contas, ainda são 9h e uma história inteira está para ser escrita.

Uma buzina toca, desenfreada. Algum imbecil, escondido por detrás dos vidros pretos de um Civic, Corolla ou uma SUV qualquer. Sempre são eles, com raras exceções. Começam a esbravejar, e alguma outra besta humana acha que duas buzinas funcionam mais que uma. Complexo de Moisés que não funciona, e em poucos segundos o que era um mar de conformismo transforma-se no caos encarnado. Lembramos que somos paulistas, e sentimos vergonha de termos chegado a esse ponto da falta de civilidade. Notamos que dirigimos muito mal, que o relógio da manhã parece ser mais importante do que a educação acumulada em mais de década. Desrespeitamos o direito do outro. Cavocamos 20 centímetros de espaço, que serão engolidos no próximo avançar dos carros. Não há música que toque mais alto que isso. Um desconforto no estômago por um nervoso desnecessário. Dali em diante, o procedimento de enervar-se e acalmar-se vai de acordo com a capacidade de cada um em abstrair desse ambiente inóspito, irritante, deprimente.

Você lê no jornalzinho que a campanha eleitoral começa hoje, com aquele monte de gente de plástico e maquiada falando sobre desenvolvimento, prosperidade, educação, emprego. Lembra-se que o discurso era o mesmo há 20 anos, e dali em diante mudou somente de nome, de cor, de tom. Imagina o quanto vão discutir sobre isso os retardados que acreditam que qualquer coisa possa mudar dessa vez. Seu carro cai no buraco. As feições de cada um no ponto de ônibus são mais sinceras do que qualquer discurso político. O Corolla corta novamente a sua frente, e as buzinas continuam esbravejando. Um motoqueiro quase cai logo ali. Você olha em volta e desacredita um pouco mais. São 9h30 e você não andou meio quilômetro. Sente saudades da cama, da esposa, do falar baixinho, do controle remoto e das meias felpudas. Sabe o quanto tem que fazer durante o dia, e quanto de fato fará. Tenta fugir da paranoia do relógio, e de alguma forma consegue. Entra uma música boa no rádio. Você canta junto. O trânsito anda.

O despertar acontece antes do dia de fato começar, duas horas depois do previsto. Mais músicas te esperam no escritório. Os amigos também. O cheirinho do almoço, e até o café lavado. Tranca-se o carro com todo o stress nele acumulado nas últimas horas. Ligar só pra dizer que ama. Curtir o frio, e depois o conforto. Sentar, escrever. Não desanimar, e não sonhar com o impossível. Começar. Porque tudo isso é São Paulo, e mesmo assim a gente não sai daqui.

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