As cartas de mim*

ago
2010
02

escrito por | em Vidinha | 10 comentários

* (Um título-tributo à moça que sabe falar com o coração.)

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São Paulo, 2 de agosto de 2010.

Um ano, velhão.

Um ano da nossa última conversa, de quando você me disse estar bem, sem sentir dores e toda aquela coisa que a gente diz pra quem se ama, quando queremos confortar as pessoas e tomar pra si nossos próprios problemas. Não quis dividir o fardo, eu sei. É bem coisa sua isso de só passar pra gente as coisas boas, e tentar resolver sozinho as ruins. O que eu sei é que no fim das contas hoje a saudade não é só minha, e essa mesma saudade é um tremendo de um saco.

Eu e a Debs compramos nosso canto, casamos em seguida. O Mau mudou de emprego, por mais difícil que isso fosse de se conceber há um ano. O apartamento deles enfim está entregue, quase pronto. Por sinal, ficará pronto um pouco antes que sua neta fique – sim, neta. Eu serei titio até o final do ano, provavelmente de uma Mariana Masili que vem por aí. Não é certeza, pois a pilantra virou de costas durante o exame para descobrir o sexo da coisinha. Se é menina ou menino, ainda não dá pra ter certeza. Apostamos no rosa, com a certeza de que o bebê é pelo menos malandro, pra ficar por aí se escondendo dos pais antes mesmo de dar a graça por aqui.

A velhinha está tocando a vida. Eu acho que você sabe bem disso, porque vocês nunca se separaram nem em pensamento, e quem sou eu agora pra acreditar que isso seja possível? Ela fala contigo mais do que qualquer um, e a gente fica por aqui tentando fazer as vezes de filho, de pai, de amigo e de razão pra que ela possa seguir em frente. Ainda há um longo caminho pra baixinha, e cujas decisões (às quais ela se acostumou a entrar num acordo contigo sempre que vocês não soltavam faísca) não são das mais fáceis. O apartamento já havia ficado maior com a minha saída. Mauricio sai nas próximas semanas, e sessenta metros quadrados podem parecer um campo de futebol pra Paquinha. Estamos por perto – ela nos encontra no máximo a seis quilômetros de casa – mas todo mundo aqui sabe que não é tão simples assim. Essa coisa de falar sozinho não é gostosa. Acreditar nem sempre é suficiente, e falta o toque, a resposta, aquele abraço que a gente sabe que não vai mais ter. É foda.

Por sinal, te escrever no domingo à noite é quase um disparate. Nossos papos sempre foram nos domingos de manhã, discutindo Formula 1, já que no futebol a gente nunca entrou num acordo mesmo. Por sinal, a disputa Schumacher x Barrichello de hoje de manhã seria digna de um dos nossos longos papos durante o café da manhã. Ironicamente, foi uma menina – a minha – que ganhou essa sua herança torta de discutir corridas de carro comigo. Ela me parece mais feliz montando seu quebra-cabeças sem fim de trocentas mil peças, com a mesma paciência e competência que você tinha. Já nos comentários, eu preferia você, mas vou me virando com a Dé, que já entendeu meus vícios e se conformou com esse código pétreo que eu e você firmamos desde sempre. Seu time até ganhou nesse final-de-semana, enquanto o meu só empatou com a porcada.

Minha visita hoje foi rápida mesmo, Carlão. Voltar àquele gramado enorme num dia bonito de sol e silêncio. Lá no alto eu procurei por você, e a indicação dizia onde te encontrar. Eu a segui, e ali mesmo só pude abraçar minha esposa e pensar um pouco mais em você. Te procurar ali em cima, e aqui dentro, pra aí sim te encontrar e te dizer mais uma vez que te amo muito, e mais do que isso, que nesse último ano em que todas as nossas vidas mudaram mais do que o normal, você fez sim muita falta. Fosse no altar, pegando as chaves aqui de casa, furando uma parede, me enchendo o saco por causa da Libertadores, dividindo as risadas e a aporrinhação, ou mesmo num abraço de volta pra casa. Esse mundo que hoje é meu, da minha antiga e da minha nova família ficou com um puta vazio com o seu silêncio. E você sabe bem que de silêncio eu nunca gostei. E que eu tentei quebrar com algumas das suas músicas dia desses. Falha grave, evidenciada com “That’s Life”. Sinatra não me perdoou, e eu senti a primeira evidência de que os dias seguintes não seriam fáceis. Como não foi sexta. E como não é a vida sem você por perto, muito mais meu amigo que meu pai, o avô que estragaria meu filho, minha filha ou ambos.

É só um pedaço de mim, saudoso e babaca te dizendo o óbvio: não era hora ainda, cara. E eu peço pra que, onde e como você estiver agora, que leia e saiba que por nenhum segundo você ficou de fora de nenhum desses momentos. Teu pulso continua, aqui dentro, sempre. E aquela gargalhada descabida é a coisa que mais me faz falta hoje.

Fique bem velhão. A gente se vê dia desses. Um beijo e todo o amor do mundo.

Celão.

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