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E eu achava mesmo que aquele pão com manteiga na frigideira só minha mãe fazia. Assim como acreditava em tantas outras exclusividades quando era pequeno. Do disco amarelo com um carrossel pra recortar à camiseta de carrinhos, eu ainda não havia visto outro como aquele. Não me envaidecia, mas dentro, lá dentro montava meu primeiro tijolinho do eu por eu mesmo. O único da sala a desenhar em papel de seda sem enrugar ou rasgar.

Os muros da casa eram bem altos. A rua perigosa, era o que meus pais me diziam, pra justificar o porquê não podíamos brincar na pracinha debaixo da arvorezona. Brincávamos no quintal então, na garagem, dentro de casa, no chão da cozinha, amarrando barbante do corrimão ao suporte dos vasos. O mundo tinha 3 andares, com chão de carpete, lajota ou azulejo.

E quando o caminhão chegou e levou tudo embora, do disco amarelo ao rolo de barbante, eu não entendi nada. Ficaram o quintal, a garagem e os cachorros. Fomos encapsulados em um apartamento que caberia em duas salas do nosso mundo. Pensei eu que estávamos reduzidos a uma Oceania agora.

Mas pudemos nadar em outros mares. Pisar na terra, no asfalto. Conhecer outros muros, que escondiam mundos misteriosos pro bem e pro mal. E o que não é bem e mal é novo. Então conhecemos o novo.

Pensava eu poucos meses antes que aquele mundo das paredes altas e lajotas cor-de-tijolo seria eterno. Mas descobri que o eterno não existe. Melhor dizendo, existe, mas não da forma como imaginava. Afinal, mesmo que o mundo permaneça o mesmo, ele se adapta. Sobe, desce, gira ao contrário, mas permanece mundo – e então descobri que existia a evolução, a involução e o tempo. Os palavrões, os ralados no joelho, a música rasa, as surras e tudo o que eu não queria no meu mundo. Certas paredes caíram, e quando vi já sabia construir as minhas, com os tijolos que estavam mais próximos.

Alguns ocos, outros trincados. Sabia que certas fortalezas não durariam uma ventania. Que meu continente ficaria exposto por certos momentos. Mas naquele caminhão, vieram também aqueles tijolos – consistentes, resistentes e fortes como a minha infância – que modelei quando conheci a história do povo do mundo sem luz, do rato rico e do seu primo pobre, dos saltimbancos, do Pequeno Príncipe, das músicas de violão e do sono da tarde.

A base das paredes sempre estaria ali, e enquanto restasse um tijolo que fosse, eu poderia construir e demolir as paredes que quisesse. Hoje dizem que minha memória é boa. Eu diria que as minhas memórias é que são – e se não fossem, eu não seria.

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