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Ouvia apenas a rádio no carro. Vez ou outra cismava sem maiores justificativas que queria comprar um disco. Enchia a paciência dos pais até que, num fim de semana qualquer, saíam pra almoçar um lanche no shopping. Antes do almoço, porém, passavam na loja de discos, onde se perdia tateando capas e mais capas enormes, encartes dobráveis e outros encantamentos. Escolhia o que achava mais bonito.

Um desses todos em especial o cativou pela caveira e os ossos cruzados, impressos em tinta branca mas que parecia prata. Duas dobras, as três letras do nome da banda impressas uma em cada folha daquele encarte. Lindo, levou e ao chegar em casa, ouviu por duas vezes seguidas cada uma das músicas. Uma em especial o cativou. Com piano, a única cantada em inglês daquele disco rodou por várias e várias vezes na vitrola. Olhos colados na letra, decorou cada verso e cada estrofe, mesmo não sabendo absolutamente nada do que se falava ali. E pouco lhe importava, pois a melodia o remetia a desejos, a vontades e a sonhos que nunca possuíram voz, muito menos ritmo. Tudo se encaixava agora.

Os anos se passaram. Mudaram os discos, os formatos, os gostos e mesmo assim aquele dia do vinil preto marcou de tal forma sua vida que as músicas em língua inglesa eram as únicas a lhe interessar. Não queria saber do que falavam, se eram sérias ou um amontoado de bobagens. O que valia era a melodia, as sensações, ouvir a cada 3 minutos algo novo que lhe percorresse o corpo, invadisse seu coração, lhe fizesse suar, sorris, chorar, arrepiar. Toda a arte da coisa morava na melodia. “Às letras, os livros”, ele dizia. “Se fosse pra se entender seria poesia. Se fosse pra se interpretar, seria texto. Mas música? Música se ouve, se sente, e se alguém canta alguma coisa junto, é só pra somar à química toda.”

E assim viveu, por anos, ignorando o que lhe diziam. Até que em algum dia, em algum momento difícil de precisar, alguma música da qual não se lembra mais traduziu completamente três minutos da sua vida. Não precisou decorar letra nenhuma, pois ao cantar as palavras que lhe angustiavam, a melodia simplesmente embalava suas lágrimas, da fúria ao cansaço. Voz imperfeita, mas quem se importava? Sua vida era imperfeita, assim como a de qualquer outra pessoa. Entrega completa. Fade out. A respiração volta ao normal. E quando o silêncio chegou, fechou os olhos e descansou. Havia cantando sua melhor canção – letra e música.

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