E chega de eleição, por favor.
Nos últimos meses, fomos submetidos à presença initerrupta de candidatos pautados por estratégias agressivas de marketing, questionamentos morais e religiosos, alianças escusas, acusações e mais acusações. Enquanto isso, pouco se falou de política, de planejamento, de planos de governo e possibilidades de crescimento do país e sua sempre fodida população.
Com a vitória de Dilma, já surgiram as “manifestações patrióticas” dos feridos na batalha, excomungando as mulheres, os nordestinos, os pretos, os pobres, as bichas e os analfabetos. Sim, pois é exatamente essa a tônica de nossa tão educada e bem conduzida classe média: culpar aquilo que não lhe servir. E o Governo Lula não lhe pareceu bom, uma vez que ofereceu a tal Bolsa-Família aos que mais precisavam (mesmo servindo de benefício por diversas vezes aos que não precisavam tanto assim), facilitou o crédito para a compra de casas no muitíssimo bem-sucedido Minha Casa, Minha Vida, e chamou a crise internacional de “marolinha”, dado que os efeitos dessa no país foram de fato pífios comparados aos das nações desenvolvidas. Logicamente nem tudo são flores, e assim como em TODOS os governos, falou-se muito de corrupção, pouco se puniu e fêz-se muita cagada. Disseram que nunca foi noticiada tanta falcatrua… mas pensando um pouco mais sobre essa afirmação, algum governo sofreu tamanha resistência e ojeriza dos então sempre privilegiados meios de comunicação consolidados? E tendo isso em vista, obviamente noticiou-se mais, uma vez que muitos interesses até então de situação tornaram-se de oposição. Foi a primeira eleição sob a Lei da Ficha Limpa, e um Maluf eleito e impugnado me parece sim um grande passo para que ainda possamos sentir um respiro de esperança.
Eu não me iludo, mesmo. Entrasse quem entrasse, Dilma ou Serra, o congresso e o senado já estão eleitos, e novamente povoados pelas mesmas cobras incompetentes e safadas de sempre. O novo é o bizarro, com palhaçoes, cantores e jogadores de futebol entre os mais votados. Não, brasileiro não sabe votar. Está longe de saber. A tal reforma política é uma promessa equivalente à reforma agrária, que muito interessa a quem NÃO está no poder. Os dois candidatos à presidência não possuíam plano de governo. As promessas se repetiram. Ganharia um poste, se fosse apoiado pelo Lula. O cara é um mito. Foi um presidente melhor do que qualquer desconfiança, um tremendo diplomata, encantou-se por vezes pela soberba da aprovação geral de um país continental (e eu não o culpo), e tem um carisma maior do que o comum. Logicamente se aproveitou por trocentas vezes de tudo isso. E gostaria de conhecer alguém que não faria o mesmo ou pior. E tudo isso contra um candidato que é a cara e jeito do pragmatismo político. Era barbada.
Mas não, não é uma monarquia, e portanto, não é quem senta no trono que resolve ao seu bel prazer. Nem os tais “eleitores fanáticos” que surgiram nesses últimos tempos são tão politizados assim, a ponto de acompanhar diaria e criticamente o andamento dos governos que virão. Conheço uns 4 ou 5 que falam e entendem sim de política, mais uma ou outra que finge o mesmo mas não consegue. E pronto: acabou-se o engajamento. A troca ridícula de farpas entre simpatizantes de ambos os lados, e os adjetivos detestáveis que ganharam, vão sumir na fumaça de dois ou três dias adiante, e vamos todos voltar ao comodismo das nossas poltronas, assistindo o circo que (sempre) virá.
Eu tenho meu apartamento. Meu carro. Casei com festa. Vou ao shopping, e compro. Vez ou outra almoço fora. Não senti grandes diferenças entre governo Lula e FHC na minha vida. Nossa moeda magicamente continuou forte depois da invenção da URV, e desde então meu ensino completo e pago me manteve no mercado. Me virei, e continuo tendo uma vida cômoda, sem mais nem menos. Mas ontem vi que lá no Norte/Nordeste José Serra foi massacrado nas urnas. Aquelas mesmas regiões que são constantemente criminalizadas por nós, paulistas, cariocas, mineiros e gaúchos. Algo foi feito sim por lá, e está bem longe do nosso alcance de imaginação. E tenho em mente que enquanto o país não for tratado como tal, ao invés de ser somente o país dos paulistas e cariocas, responsáveis pelo desenvolvimento dos outros Estados/colônias, essa porra não vai pra frente. Despolarizar as riquezas, incentivar um mínimo de qualidade de vida (e sim, isso é algo que vai muito além de um Bolsa-Família da vida) e investir em educação democrática e qualificada. Enquanto tudo isso não acontecer, continuaremos nos batendo no escuro, com acusações ridículas e comodistas, e argumentos marketeiros. Se é uma esmola o que se ofereceu a essa gente, já estava na hora dela vir, pois daqui em diante eles pedirão mais e mais – pois é assim que a humanidade se fez – e forçarão os próximos governos a não fecharem os olhos àqueles cantos do país que nos acostumamos a ignorar. Discriminalizar dói aos que têm tudo o que precisam. Miséria incomoda. Méritos ao Governo Lula. Tortamente, eu acho que esse foi sim o maior feito do sujeito.
Boa sorte, presidente Dilma. E igualmente para esse congresso e câmara zoados.
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Brasil - Brazil | NoblaTV – Barbadas eleitorais (27/8/2010)
[...] marcelo spacachieri masili | 3M » Pronto. [...]
Mentira que a Dilma não tinha plano de governo, o que houve é que nos debates infelizmente ela ficava nervosinha e entrava na do Serra, de ficar respondendo as acusações e provocações. Fora que ela não fala tão bem como ele ou como Lula, por falta mesmo de experiência. Temos que lembrar que Dilma, mesmo estando na cola do Lula, nunca havia se candidatado a nada. Os debates mais fracos e chatos de todos os tempos aconteceram nessa eleição. Uma pena para quem gosta de acompanhar, como eu, mas ao mesmo tempo interessante por observar que mesmo assim, o povo não se deixa enganar. Quando Serra dizia que o prouni e o bolsa-família eram uma mentira, só quem nunca foi beneficiado por esses programas que acreditou. Tsc, e quer saber, nem eles.
Sou classe média também, mas fiz minha opção de classe já faz tempo. Meu voto foi e sempre irá pra um governo que possibilite o pobre viajar de avião, ter seu carro, comprar o refrigerante que tiver vontade e financiar sua casa. Um Brasil tratado de baixo para cima, como diz o livro do Célio Turino. Por uma sociedade mais justa, menos cruel. Essas coisas que muitos dizem ser discurso antigo, de marxista do século retrasado. Mas foram com elas que eu sempre sonhei, desde os meus 16 anos de idade, quando me apaixonei por política através do Teatro do Oprimido. E agora consigo ver pouco a pouco o meu sonho se aproximando da realidade. É um processo longo, mas o start já foi dado e de agora pra frente é continuar lutando para que isso continue cada vez com mais vigor.
Dilma promete erradicar a miséria. Nesses 8 anos de governo do PT, 35 milhões de brasileiros passaram a almoçar e jantar diariamente. Você diz sobre um Brasil distante escondido lá no Norte e no Nordeste, que a gente aqui em SP não vê. Mas não precisa viajar para entender qual foi a transformação das comunidades mais pobres. Vá para Cidade Tiradentes e converse com qualquer professor, aluno ou pais. As crianças não dão trabalho nenhum, vão entusiasmadas pra escola, se divertem e têm acesso a arte no ponto de cultura (do projeto cultura viva aprovado no governo lula) mais próximo de sua casa. E ainda levam os 100 reais de bolsa-família para ajudar nas contas. Isso se chama distribuição de renda. O governo bancar um custo alto e destinar a um projeto que beneficie os que não têm nada ou quase nada. 100 reais é esmola pra quem? Pra mim, pra você, mas tira muita gente da fome.
Agora a elite (incluo aqui também os que não são elite, mas se comportam e tomam para si o pensamento e o comportamento dela) fica revoltada por ter um governo que incentive a vagabundagem dessa gente. Perdi amigos, mais uma vez, durante a campanha. Gente que estudou comigo durante o tempo de escola e diz que odeia o PT porque não acha justo trabalhar o ano inteiro e nas tão merecidas férias ter que viajar com um pobre na cadeira do lado mexendo toda hora em sacolinhas plásticas de supermercado. Gente que defende (dizendo até que é “natural” numa sociedade) que tenha sempre uma galera muito mais pobre para que ela sempre possa ter alguém em quem pisar. Esses são só dois breves exemplos de todos os absurdos, falta de tolerância e excesso de preconceito que ouvi.
E fico imensamente feliz que essa galera vai ter que engolir Dilma por 4 anos. Fico feliz porque mesmo com papa, com juventude nazista, com a mídia e seu pig podre polemizando aborto e religião, o povo sabe o que é bom e o que não é. E numa sociedade machista Dilma ter tido mais de 55 milhões de voto a vitória não é dela nem do PT, a vitória é nossa, de todos os brasileiros.
E foi esse o comentário de uma das poucas 4 pessoas que entendem de fato de política que eu conheço. Obrigado moça, por enriquecer meu textinho com fatos reais.
ããã, por onde começar? Vou começar elogiando o texto, aliás, os textos, seu e da Tatit. Meu processo de decisão pelo voto na Dilma foi um pouco mais longo e menos esclarecido. Num primeiro momento minha intenção era votar nulo, já que nenhum dos dois candidatos me comovia (e pra ser sincera, continua não comovendo). Tá, confesso que minha rejeição pelo Serra era um pouquinho mais acentuada. Enfim. Em termos “pessoais”, aquela história de votar pelos próprios interesses, a coisa não era muito melhor: tanto FHC quanto Lula ignoraram minha categoria, os funcionários públicos federais, por quase 16 anos – enquanto isso, os estaduais têm verdadeiro pavor do Serra, não só por motivos econômicos, mas porque ele tende a resolver certos problemas de maneira muito pouco ortodoxa, tipo metendo a PM no campus da USP. O nulo, que parece uma opção pouco atraente, ainda assim era uma opção, dentro de uma democracia tão democrática que OBRIGA o eleitor a ir às urnas votar em quem não quer.
Dito isso, comecei a perceber algumas coisas no eleitorado do Serra. Era de lá que vinha a maledicência. Primeiro foram os spams completamente sem-noção sobre Dilma, vida e obra, sobre as supostas ações terroristas. A primeira conclusão a que cheguei foi que se a pessoa teve coragem suficiente para pegar em armas contra o lixo da Ditadura, no mínimo coragem ela tem – e na minha visão, isso fala a favor, jamais contra. A maledicência PSDBista começava a fazer, em mim, o efeito inverso.
Depois veio aquilo que a Tatit falou: pouco a pouco, eu tomava a noção de que meus amigos e conhecidos que defendiam tão ferozmente o voto no Serra (ou mesmo levantavam a bandeira daquela ridícula campanha “Dilma Não”), são justamente aqueles que não querem o nordestino sentado do seu lado no banco do avião. Aqueles que não querem dividir. Aqueles cujo pai, avô, bisavô, ensinou tão bem a lição, que eles repetem sem sequer precisar pensar. De outro lado, fui percebendo que aqueles que tinham opiniões políticas consistentes optaram pela Dilma. Uns, talvez, ainda com uma pontinha de remorso pela Marina não ter passado ao segundo turno, o que talvez lhes desse a oportunidade de tentar algo novo.
Simplesmente percebi que de forma alguma poderia compactuar com uma idéia que já pressupõe que certas pessoas (“esses pobres”, como escreveu uma eleitora do Serra no Facebook) estejam automaticamente excluídas. O Nordeste, que sempre foi uma paraíso das oligarquias, foi praticamente incluído no mapa no governo Lula, e isso não é coincidência. Que medo, né? Agora o cara que me servia no restaurante, a moça que limpava minha casa, vão sentar ao meu lado no avião. Talvez a filha da moça faça coisa melhor da vida com as oportunidades que finalmente teve, e imagina só eu tendo que estragar as minhas unhas no serviço da casa. Sim, eu também quebrei o pau com gente que tem essa visão. Eu também caí na real em relação a algum dos meus amigos. Eu também fiquei decepcionada. Não estou pedindo que tenham a mesma opinião política do que eu. Estou pedindo que argumentem como gente que pensa e que se importa. Incrivelmente, o melhor argumento pra votar no Serra veio de uma amiga minha, que disse que a microempresa dela faliu depois das mudanças fiscais propostas pelo governo Lula. Tá, eu acho que o buraco é mais embaixo, mas foi bom não ter que ouvir “a Dilma vai encabeçar uma ditadura comunista” ou “a Dilma é uma louca” ou “a Dilma é assassina” uma vez que fosse.
O interessante é que, até agora, ninguém da so-called classe média teve a capacidade de me explicar o porque dessas “revolta” e “indignação” completamente patéticas. Porque sério, se alguém quiser me explicar COMO a nossa vida, entendida como a vida daqueles que estão no meio do sanduíche, vai mudar tão radicalmente com a Dilma no poder, sou toda ouvidos. Pra mim é muito claro que vamos continuar pagando impostos, recolhendo INSS, e pagando também plano de saúde particular, faculdade, escola dos filhos. Se estamos financiando os programas sociais? É ÓBVIO que estamos. E onde isso é errado? Numa sociedade que se preze, não está certo quem tem mais contribuir com mais? Ou algum filhinho de papai quer ir pra fila do SUS? E não me venham falar de “vagabundos que não querem trabalhar porque recebem bolsa família”. Claro que deve haver uma minoria que age assim – mas que então venham os PSDBistas ferrenhos me apontar qual democracia não tem sua meia dúzia de maçãs podres, de indivíduos que se apóiam completamente no sistema. Não esquecendo, obviamente, que um dos pilares da campanha do Serra foi dizer em alto e bom som que foi a gestão PSDB que iniciou todos esses programas sociais. Se isso não é contradição, eu não sei mais o que é.
Desde que o Lula foi eleito pela primeira vez, as Reginas Duartes (aqueles que “têm medo”) fazem esse discursinho desesperado. Lembro que diziam que era o Lula quem iria confiscar a poupança. Aliás, uma coisa que eu gostaria de fazer é pesquisar quantos desses ignorantes que repetem discursos psdbistas sem sequer pensar neles deram seus votos pro Fernando Collor, lá atrás. Pra mim, explicaria muita coisa!!!!