Sou chato

jun
2010
01

escrito por | em Trabalho | Nenhum comentário

Quando criança, a gente gosta mesmo é de bagunça.

Porque não existe ali conceito de realidade. Existe sim o universo sem repertório, autoral, caótico. Criança quer inventar e fazer o sonho virar realidade. E o faz do jeito que bem entende. Até a mãe ou o pai chegarem, e mandarem guardar tudo aquilo antes de dormir. Logicamente, elas não guardam.

Mas crescem. O quarto de brinquedos vira quarto adolescente, e as crianças querem agora fazer parte de um grupo. O grupo pouco importa, mas existe: tem cara, jeito, linguegem própria. Copiam, e se organizam pra pertencer àquilo. Escondem os velhos brinquedos – têm inveja de parecerem o que eram há 4, 5 anos. São maiores, são melhores, e pertencem. Isso dura… até certo ponto.

Quando precisam trabalhar. Quando arranjam namoradas sérias. As camas de solteiro vão embora. Os vícios de antes que agora são ridículos. A infância ganha caráter saudosista. A zona é menor. O espaço vira o último degrau antes da independência. Mais algum tempo, e tudo funciona perfeitamente (mesmo que aparentemente), pra que não levem uma descascada da escolhida. Dividem os gostos, os sonhos, os planos, e crescem um pouco mais. Voam.

Se organizam, se mudam, vivem um sonho próprio. E agora não há mais ninguém pra lhes ordenar absolutamente nada. O caos seria bem-vindo, mas a experiência acumulada lhes torna donos. Senhores de um espaço com uma cara dividida, e inconscientemente as cessões são feitas. Organizam-se. E planejam a continuidade do ciclo… às vezes. Quando não, vivem seu universo perfeito e dali em diante cada um que conte sua história.

Adultos gostam é de tudo em seu lugar. SEU lugar.

Agora, o texto de verdade…

Os papos sobre idade, mudança de conceitos e o escambau permanecem aqui no mundo real. Estou ficando chato. Ou melhor, mais chato. Está cada vez mais fácil achar alguma coisa ruim, apontar os erros, corrigir. Passei por cada uma dessas fases aí de cima, vivendo muito bem cada uma delas. Cheguei ao meu quadrado, que mais do que meu, é nosso. Hoje em dia não são mais os brinquedos jogados, nem as arrumações não-solicitadas que incomodam. Roupa pra lavar tem que estar no latão. A louça pode dormir uma noite suja, mas não duas. O chão encarde, a gente limpa. O som de um não incomoda o outro. Respeitamos nossos espaços. Compreendemos o crescimento. Acumulamos experiência.

Assim é também com o trabalho. Que não suporta mais a bagunça alheia, o mal-planejamento, o andamento desordenado, as vontades súbitas. Falando de vida, já se vão 11 anos de mercado. É coisa. Muita prostituição profissional, muita bedelhação alheia, muito sapo engolido. Carreguei os mais diversos pianos, e algumas poucas flautas doces. depois de muita barca furada, cheguei numa agência de projeção, que se não me paga o que sonho, me proporciona clientes gigantes e uma visão profissional fodida, que eu ainda não havia experimentado e que mudou muito daquilo que eu pensava e fazia. É o tal do crescimento de novo, dando as caras e acinzentando nossos sonhos de massinha de modelar.

Faz parte. Lamento muito por um lado, e comemoro por outro.

Afinal de contas, é conhecimento acumulado. É sim poder dizer “não”, “está errado” e “assim não funciona que eu já sei o que vai acontrecer lá na frente”. E acontece, e mesmo assim te chamam de histérico, de chato ou relembram sua mãe. Também faz parte. A prostituição profissional, nesse estágio da vida, já é voluntária e pode ou não acontecer. Mas se acontece, e o ato não é dos mais gostosos, você cobra pela noite e manda embora pra nunca mais.

Porque criança é obrigada a obedecer. Adulto faz suas regras. As minhas são as mesmas e melhoradas a cada novo trabalho. Porque meus trabalhos evoluíram, os clientes idem, e me tornei ainda mais meticuloso, perfeccionista, e CHATO. Defendo o que é meu, e cedo ao que está certo. O que está errado, eu torço o nariz, faço cara de nojo e mando pra longe.

Minha história que faça meu futuro. Aos que quiserem o que ofereço.

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