escrito por | em Vidinha | 1 comentário

Durante toda a vida, fomos àqueles churrascos de família, onde mais de cem pessoas orgulhosamente reunidas falavam mal umas das outras, baixinho, pelas costas. Frequentamos e muito a casa das nossas avós, onde não foram poucas as vezes em que ouvíamos as histórias escabrosas daquele primo que bebe demais, ou daquele outro que não consegue guardar dinheiro e vive pedindo emprestado pra esse ou aquele tio ou tia mais abastados. Lembro também da ostentação incontida e da necessidade contínua de reafirmação de sucesso da grande maioria, mesmo que por trás de tanta maquiagem houvessem quilos de dívidas e “probleminhas” escondidos.

Me afastei dessa corja chamada “família” desde que ela virou as costas pra gente.

Meu pai não foi pedir ajuda pra titia. Não foi bater na porta de ninguém às 6h da manhã de um sábado depois de bater o carro numa bocada por dirigir bêbado. Não omitiu os pecados católicos. Não ficou com o rei na barriga enquanto faltava comida na mesa. Meu pai nunca foi santo, e muito menos impassível de erros. Por sinal, de tanto errar, se fodeu. Mas tentou, e mesmo na merda sempre estivemos juntos. Em casa ninguém jogou garrafa na parede, fugiu de casa ou deu o golpe da barriga. E das nossas ações, restaram aqueles que de fato nos amam. E nesse meio, “a família” resolveu se interessar nos porquês da nossa sobrevivência.

Conto nos dedos de uma mão aqueles dos quais ainda gosto, seja pela presença constante (mesmo que essa presença aconteça via mail ou aqui mesmo no blog vez ou outra), seja pela real preocupação. Mas afastei por completo os traíras. Aqueles que certamente serão noticiados da morte do meu pai quando ela ocorrer; que se aproximaram ultimamente “pra não pegar mal”; mas principalmente, aqueles que fazem dos “escândalos da família” assunto de almoço. Almoço que eu participei aos montes há 20 anos.

Vocês não sabem da real situação do meu pai. Não sabem que mais da metade do cérebro dele já está morta desde quarta. Não sabem da infecção generalizada que tomou conta do corpo dele e que ainda não chegou em locais que trariam o alívio ao nosso sofrimento, pois o sofrimento dele não aconteceu, graças a Deus e ao AVC de segunda, que literalmente o apagou.

Portanto, se quiserem achar um Judas agora pelas decisões tomadas, sim, somos nós. Culpem-nos. Comentem-nos. Julguem-nos, e depois que essa situação terminar, esqueçam-nos, pra sempre. Porque durante a vida do meu pai, nós fomos os únicos com os quais ele realmente sempre pôde contar. E assim sendo, sabemos exatamente o que ele faria neste momento.

E assim será.

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  1. Bruno Tarmann

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